terça-feira, 16 de setembro de 2014

Eleições 2014: Carta Pastoral de Dom Humberto


CARTA PASTORAL SOBRE O PROCESSO ELEITORAL DE 2014 E INICIATIVA POPULAR PELO PLEBISCITO CONSTITUINTE

Buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. 
Mateus 6:33.

Porto Alegre, 9 de Setembro de 2014 A.D.

Estimadas irmãs e irmãos em Cristo,
Graça e Paz:


Vivemos em nosso país um processo eleitoral através do qual a cidadania escolherá as pessoas que irão exercer mandatos no Poder Executivo (Presidência da República e Governos Estaduais) e no Poder Legislativo (1/3 do Senado, Câmara de Deputados e Assembleias Legislativas). Em si, o fato da população poder manifestar sua vontade através de eleições democráticas é algo a ser sempre celebrado. Qualquer democracia, por mais débil ou limitada que seja, é melhor do que o exercício autoritário e autocrático do poder, sem o aval popular e sem a garantia das liberdades democráticas correspondentes para que as maiorias e minorias sejam respeitadas. Nosso Senhor Jesus Cristo, que trouxe a mensagem política do Reinado de Deus, disse para as pessoas humildes e pequenas deste mundo “vosso é o Reino” (Mateus 5:3; Lucas 6:20; Marcos 10:14; entre outros textos). De fato são as pessoas que tem menos poder as que mais se beneficiam quando a democracia é fortalecida, e torna-se, não apenas democracia política, mas também democracia social e econômica, com o acesso universal à riqueza e à qualidade de vida.
Sabemos, no entanto, que o sistema democrático brasileiro padece do mal da corrupção. Este mal não é novo, nem exclusivo, mas é nefasto! Há quem acredite que seja impossível de superar, chegando-se a cunhar a famigerada frase “rouba, mas faz”. Corrupção é roubo, principalmente contra as pessoas pequenas. Concordar com a corrupção e não amar a quem mais precisa de amor, e do amor traduzido em condições de vida, oportunidades, felicidade. O desamor da corrupção tem sustentado todo tipo de violência e insegurança. Lamentavelmente vemos entre a população, mais nas classes médias e altas, um ataque ao sistema democrático brasileiro, que confunde os males da corrupção com a democracia. Democracia não significa aceitação passiva da injustiça, nem deve ser um espaço de manipulação da vontade popular em favor de interesses particulares e egoístas. Por outro lado sabemos que as ditaduras promoveram muito mais corrupção e desvio de recursos do que as democracias.  Pelo contrário, devemos defender a democracia como sistema que, até agora, tem se mostrado mais adequado à vivência dos valores do amor cristão, não do ódio cristão. Defender a democracia é também assumir nosso papel profético, como mostra a Carta do Apóstolo Tiago ao reivindicar o salário roubado pelos empregadores: “Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras, e que por vós foi diminuído, clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tiago 5:4). A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, em amorosa comunhão com toda a Comunhão Anglicana e tradição histórica do anglicanismo, entende assim, quando, no batismo e confirmação afirmamos: “Renuncias ao mal e a todos os seus poderes que se rebelam contra Deus, corrompem e destroem as criaturas e nos afastam do amor de Deus?” – e ainda – “Defenderás a justiça e a paz para todos, respeitando a dignidade de todo ser humano?”– ao que respondemos – “Assim farei, com a ajuda de Deus” (Livro de Oração Comum, p. 164,165 e 179).
A “Lei da Ficha Limpa” (Lei Complementar, 135, de 4 de Julho de 2010), de iniciativa popular,  reafirmou a convicção de que, sem a uma progressiva superação das relações de corrupção e favorecimento ilícito, em especial das pessoas e grupos que representam grandes interesses financeiros, não será possível superar as mazelas históricas que têm causado grandes sofrimentos ao povo brasileiro e esgotado sem limite a vida e as maravilhosas riquezas naturais, dons de Deus para o Brasil.
A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil não tem candidatos ou candidatas, nem partido político, que a representem. Nossa igreja sente-se representada em todas as pessoas de boa vontade, cristãs ou não, que buscam os princípios do Reino e Sua Justiça! Mas, também, estimulamos todas as pessoas episcopais anglicanas a participarem da cidadania como cristãs que são, seja em candidaturas, seja na militância e construção partidária, seja no processo eleitoral ou ainda de qualquer outra forma que fortaleça a participação popular e a democracia.
Com esta carta orientamos, então, cada irmã e cada irmão, neste processo eleitoral (melhor do que “pleito”), a que, em oração, em diálogo com sua realidade e com outras cidadãs e cidadãos, se pergunte: “estou participando do processo democrático de forma a avançar para uma sociedade mais justa, onde os recursos dados por Deus para todas as pessoas sejam realmente para benefício de todas as pessoas, em especial daquelas que vivem aquém das condições de vida dignas para todo ser humano?”.
Acompanhando o processo eleitoral, diversos movimentos populares, movimentos e organizações ecumênicas e pessoas de boa vontade, estão promovendo mais uma iniciativa popular. Esta iniciativa é chamada de “Plebiscito Constituinte: por uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político”, apoiada pelas comissões de Inserção Social e Relações Ecumênicas da nossa igreja, como pode ser apreciado na “Carta Aberta à Sociedade Brasileira” (em anexo). Esta iniciativa constata que o atual Congresso Nacional não tem condições de realizar esta reforma sozinho, mas que ela deve brotar da participação de toda a sociedade civil organizada e de todo o povo através de um processo específico, como diz o “Manifesto de Apoio” (também em anexo junto aos outros materiais referentes ao plebiscito):
“Temos um poder alicerçado no poder econômico, que interfere nas decisões de Estado, no desenho das políticas públicas e no processo eleitoral.  Os deputados e senadores ligados ao poder econômico  são três vezes maiores que aqueles ligados aos trabalhadores e as lutas populares. Isso piora a cada eleição (...) uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político. Um processo constituinte que tenha mecanismos de democracia direta para o povo decidir as  grandes questões. Um processo constituinte exclusiva, onde não é o congresso que  faça (como foi a de 1988), mas onde o povo escolhe seus/as  representantes com  regras próprias que rompam com as regras das atuais eleições,  soberana que não esteja submetida a vontade do poder executivo, legislativo ou  judiciário”.
A democracia direta, também exercida em manifestações populares, tem se mostrado, cada vez mais, um mecanismo válido de construção democrática, onde a cidadania deixa de ser apenas fiscal entre uma eleição e outra, e uma mera ratificadora ou retificadora da ação política nas eleições, e passa a ser formuladora de alternativas e construtora de políticas públicas e do próprio sistema. Portanto, entendemos que o engajamento neste processo é, no mínimo, tão importante quanto a participação cidadã através do voto nestas eleições!
Queridas irmãs e irmãos em Cristo, também oremos pela paz! Em muitos países as tensões sociais, políticas, econômicas e até religiosas, têm levado a guerras de todo tipo, onde, no lugar da vontade cidadã prevalece o poder das armas, da morte, do medo e da destruição. Graças a Deus, cresce neste país o sentido da vida democrática, dialogal, e de liberdade de expressão e luta por meios não violentos. Existe a violência: a violência da exclusão em todas suas formas, a violência da discriminação, a violência da morte, em especial da nossa juventude, violência de gênero refletida até na participação das mulheres na vida política e na diferenciação salarial, e tantas outras. No entanto, mesmo no enfrentamento de todas estas violências, não podemos permitir que a violência gere mais violência, mas contrapor a ela o “esforço da Paz”. Lembrando novamente o sentido do Evangelho, segundo resume a comunidade de Lucas: “para iluminar aos que estão assentados em trevas e na sombra da morte; A fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz” (Lucas 1:79). O ainda como resume a comunidade do discípulo amado, no Evangelho segundo João, ao fala da Missão de Deus em Cristo: “eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância” (João 10:10b).

Que o Senhor esteja conosco durante este processo eleitoral e de participação popular, que o amor materno do Pai nos conceda compaixão;  o amor de Jesus aumente em nós os laços de irmandade e responsabilidade mútuas; e a orientação e Graça através da ventania vital do Espírito Santo, inspire nossos pensamentos, ações, e decisões no exercício da nossa cidadania, para a maior Glória de Deus Trino, e na sua santa e infinita misericórdia,


+Dom Humberto Eugenio Maiztegui Gonçalves

---------------------------------------------------------
Recomendações para o uso desta carta pastoral:
1. Pode ser lida na íntegra em uma celebração, sendo que pode haver uma leitura coletiva com um parágrafo por pessoa, o que torna a leitura menos monótona.
2. Pode ser repartida entre todas as pessoas da congregação durante as celebrações até o dia das eleições, ficando cópias a disposição e lembrando que cada pessoa pode retirar uma.
3. Pode e deve ser divulgada através dos meios eletrônicos disponíveis em cada comunidade, assim como o será com aqueles da administração diocesana.
4. Pode ser divulgada em espaços ecumênicos diversos como contribuição da nossa igreja à democracia e ao ecumenismo.

Um comentário:

  1. Com esta carta orientamos, então, cada irmã e cada irmão, neste processo eleitoral (melhor do que “pleito”), a que, em oração, em diálogo com sua realidade e com outras cidadãs e cidadãos, se pergunte: “estou participando do processo democrático de forma a avançar para uma sociedade mais justa, onde os recursos dados por Deus para todas as pessoas sejam realmente para benefício de todas as pessoas, em especial daquelas que vivem aquém das condições de vida dignas para todo ser humano?”. Agradecemos ao nosso Bispo Dom Humberto pela orientação pastoral!

    ResponderExcluir